Quando debatemos a Lei no
Tempo, frequentemente, surge uma pergunta:
A lei pode retroagir no
tempo?
A norma aplicada pelo
sistema judiciário diz que a lei não poderá retroceder no tempo, isso significa
que uma lei recém sancionada não tratará sobre casos ocorridos em vigência de
lei anterior, esse é o Princípio da Irretroatividade. Porém há exceções à regra
(Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Art. 5º, XL – “a lei penal não retroagirá, salvo para
beneficiar o réu;”).
O que devemos saber
primeiro é quando o fato ocorreu, como ocorreu e observar a legislação vigente
no momento em que ocorreu. A nossa legislação assegura que um ente só pode ser
considerado culpado se existir uma norma jurídica prévia com a definição de que
tal ato é ilícito ou criminoso (Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, Art. 5º, XXXIX – “não há crime
sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;”). E as
leis são aplicáveis até sua revogação (Lei de Introdução às normas do Direito
Brasileiro - Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 - Art. 2º “Não se
destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou
revogue”) ou invalidação total ou parcial (no caso de ser julgada
inconstitucional pelo STF), caso não seja fixada prazo de vigência no ato de
sua homologação, ou seja, não são revogadas por desuso ou costume.
A observação sobre o
tempo do crime está no Código Penal (Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Art. 4º - “Considera-se praticado
o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do
resultado”).
Ou seja, se foi cometido
um ato no dia 7 de dezembro de 2018 e através de lei esse ato foi considerado
criminoso, sendo publicada no dia 8 de dezembro de 2018, tendo suas
consequências emergidas no dia 9 de dezembro de 2018, o ente não pode ser considerado
culpado criminalmente por esse ato, pois a lei criminal não retroage.
Agora vamos às exceções à
regra.
Se o crime foi cometido
no dia 9 de dezembro de 2018 e a lei foi publicada no Diário Oficial da União
em 7 de dezembro de 2018, com o texto de que ela passa a valer no dia de sua
publicação, houve o crime.
A partir desse pressuposto
temos os seguintes casos:
1- Se a lei for
considerada inconstitucional pelo STF em 12 de dezembro de 2018, a lei não
deixa de existir, apenas o crime deixa de existir, ou seja, temos uma lei que
não pode ser aplicada, porém para sua revogação só acontece quando houver uma
lei que o faça.
2- Se no dia 12 de
dezembro de 2018, surgir uma nova lei tratando sobre o mesmo assunto e no texto
da lei o ato passa a ter uma pena diferente, deve-se verificar qual lei é mais
favorável ao réu e aplica-la. Se a lei vigente no ato do crime for mais onerosa
ao réu, deve-se aplicar a mais recente. Nesse
caso a lei retroage; se a lei vigente no ato do crime for menos onerosa ao
réu, deve-se aplicar a mais antiga. Nesse
caso a lei não retroage; se a lei vigente no ato do crime for em parte
menos onerosa e em parte mais onerosa ao réu, deve-se aplicar a parte que mais
seja benéfica ao réu de cada lei, exemplo: se a pena da lei mais antiga for de 9
anos de reclusão e a pena da lei mais nova for de 15 anos de reclusão com
possibilidade de redução de 1/3 da pena, o juiz pode aplicar a pena de 9 anos
de reclusão com redução de 1/3 da pena, assim o réu tem a sentença de 6 anos de
reclusão. Nesse caso a lei retroage em
parte.
3- Se no dia 10 de
dezembro de 2018 o ente é condenado e vai a encarceramento no dia 11 de
dezembro de 2018 e no dia 12 de dezembro de 2018, surgir uma nova lei tratando
sobre o mesmo assunto e no texto da lei o ato deixa de ser crime, anula-se o
processo, liberando o ente, apagando-se a ficha criminal e não pode ser motivo
de configuração de maus antecedentes em julgamento posterior. Nesse caso a lei retroage.
Vamos agora ao que tange
às leis temporárias.
No caso de uma lei
publicada ter em seu texto que tal ato seja considerado crime, com reclusão de
10 anos de reclusão, caso o ato seja cometido entre o dia 07 de dezembro de
2018 e o dia 07 de dezembro de 2020, e o ente cometeu tal ato no dia 1 de
janeiro de 2019, sendo julgado e apenado com reclusão de 10 anos no dia 1 de
novembro de 2019, há ainda discussão na norma a ser adotada, parte da doutrina
entende que no dia 7 de dezembro de 2020 a pena deve cessar junto com a lei,
seguindo o que diz a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 no
seu Art. 5º, XL – “a lei penal não
retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”, outra parte entende que a pena
deve ser cumprida na integralidade, pois a tipicidade, mesmo temporária, do ato
está expressa no texto da lei.
Nos casos da lei civil,
na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro há uma norma geral para as
leis infraconstitucionais em seu Art. 6º “A
Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito,
o direito adquirido e a coisa julgada.”. Ou seja, a lei sempre retroage,
salvo venha ferir os três conceitos supracitados. Há três casos no blog do
Arthur Maximus que explicam muito bem isso:
“No primeiro caso, imagine que você
comprou um carro em janeiro de 1990. Como o Código de Defesa do Consumidor só
foi aprovado em outubro daquele ano, o CDC não irá se aplicar ao contrato.
Trata-se de um ato jurídico perfeito, isto é, um contrato “consumado segundo a
lei vigente ao tempo em que se efetuou” (art. 6º, § 1º, LICC). Se tiver
problemas, você terá de recorrer ao Código Civil, o que significa não dispor de
todos os benefícios da lei, principalmente a inversão do ônus da prova.
O
segundo caso é o mais complicado. Segundo a lei, “consideram-se adquiridos
assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como
aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição
pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem” (art. 6º, § 2º, LICC).
Traduzindo: direito adquirido é aquele cujas condições de usufruto: 1 – já
tenham sido preenchidas pelo sujeito; 2 – já tenham começado a ser preenchidas
e, embora ainda não o tenham sido totalmente, estão sujeitas somente ao advento
de um prazo ou algum evento futuro predeterminado.
O
terceiro caso é provavelmente o mais simples. Se uma causa já foi julgada com
base em uma lei, mesmo que uma lei posterior venha a dizer exatamente o
contrário, prevalecerá o julgamento feito com a lei anterior.”
(https://blogdomaximus.com/2012/07/03/a-aplicacao-da-lei-no-tempo/
)
Já para alguns casos de
leis do código civil, há algumas regras específicas em seu texto em que a lei
deve ou não retroagir:
* A lei deve retroagir,
como nos casos dos Artigos:
Art. 2.031. “As associações, sociedades e fundações,
constituídas na forma das leis anteriores, bem como os empresários, deverão se
adaptar às disposições deste Código até 11 de janeiro de 2007.”;
Art. 2.032. “As fundações, instituídas segundo a legislação
anterior, inclusive as de fins diversos dos previstos no parágrafo único do
art. 62, subordinam-se, quanto ao seu funcionamento, ao disposto neste Código.”;
Art. 2.033. “Salvo o disposto em lei especial, as
modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44,
bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo
por este Código.”;
Art. 2.035. “A validade dos negócios e demais atos
jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao
disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos,
produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam,
salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.”.
* A lei não deve
retroagir, como nos casos dos Artigos:
Art. 2.028. “Serão os da lei anterior os prazos, quando
reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver
transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”;
Art. 2.039. “O regime de bens nos casamentos celebrados
na vigência do Código Civil anterior, Lei no 3.071, de 1o de janeiro de 1916, é
o por ele estabelecido.”;
Art. 2.041. “As disposições deste Código relativas à
ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão
aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior (Lei no
3.071, de 1o de janeiro de 1916).”.
Fontes:
Constituição da República
Federativa de Brasil de 1988
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
Lei de Introdução às
normas do Direito Brasileiro - Decreto-Lei Nº 4.657, de 4 de setembro de 1942
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm
Código Penal - Decreto-Lei
No 2.848, de 7 de dezembro de 1940
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm
Código Civil - Lei No
10.406, de 10 de janeiro de 2002
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm
Vinícius Rodrigues Bijos
- Artigo
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/8296/Conflito-de-leis-no-tempo-e-possivel-uma-lei-retroagir-e-alcancar-o-ato-juridico-perfeito-o-direito-adquirido-e-a-coisa-julgada
Celso Antonio Bandeira de
Mello
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/42825/41548
Arthur Maximus
https://blogdomaximus.com/2012/07/03/a-aplicacao-da-lei-no-tempo/
Evinis Talon
http://evinistalon.com/lei-penal-no-tempo/
TRT/MG - Des. Rosemary de
Oliveira: A lei material e processual no tempo - questões a serem enfrentadas
https://portal.trt3.jus.br/internet/conheca-o-trt/comunicacao/noticias-juridicas/des-rosemary-de-oliveira-a-lei-material-e-processual-no-tempo-questoes-a-serem-enfrentadas
José Fernando Simão
http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/o-tempo-e-o-direito/11969